quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Como é que a crise nos vai mudar?


“Quando escrito em chinês a palavra crise compõe-se de dois caracteres: um representa perigo e o outro representa oportunidade.”
John Kennedy (in Citador)

Tinha encontrado esta citação há uns meses e agora senti que ela vinha mesmo a calhar!

A palavra crise passou a fazer parte do nosso dia-a-dia. Passou de boato a realidade e com uma dose maior ou menor de susto vamos fazendo o nosso papel de navegadores: há que remar, manter o sentido de orientação, posicionar o leme para definir a direcção, superar os enjoos e alimentar a esperança de ver terra no horizonte!

E a verdade é que nós somos bons nesse papel, não tivéssemos nós uma tradição de descobertas além-mar de fazer inveja ao mundo inteiro! Mesmo que não saibamos e nos possamos ir esquecendo somos verdadeiramente bons a navegar em águas turbulentas.

Esta semana li um artigo no Jornal Público que, apesar de tudo, me fez sorrir e perceber que não estou enganada: nós somos mesmo um povo intrinsecamente bom, cheio de qualidades e há quem anteveja reviravoltas simpáticas nos nossos ensaios para lidar com a crise económica.

O artigo de que falo é da jornalista Maria João Lopes e foi publicado na edição de 22 de Janeiro do referido jornal e o seu título é “Em 2012 vamos conhecer o vizinho, cuidar da horta e integrar uma associação”.

Para elaborar este artigo a jornalista falou com alguns investigadores, escritores, sociólogos e historiadores para perceber as alterações que poderão registar-se no nosso comportamento em resposta à crise económica que atravessamos.

E o resultado é, no mínimo, curioso!

Não vou reproduzir todo o artigo, mas gostava de destacar algumas das ideias e, permitam-me ser tendenciosa,  vou referir as que mais gostei:

- «O escritor Mário Zambujal acredita que as pessoas vão "visitar-se mais": "Vão juntar-se nas casas umas das outras para uma festinha."»

- «Maria Filomena Mendes realça também o recurso à bicicleta ou a andar a pé, até porque muita gente abandonará os ginásios.»

- «O presidente da Cáritas Diocesana do Porto, Barros Marques, acredita que estes comportamentos fomentarão "um estilo de vida mais comunitário e menos individualista: "Vamos criar laços de alguma economia doméstica, familiar, fazer reuniões com amigos", partilhando comida. "E regressarão as grandes tertúlias e o associativismo, como espaços de debate, de troca de impressões, de esclarecimento, nos quais as pessoas sintam que estão a remar juntas." »

- «"Não vamos poder ficar presos às funções que sempre tivemos, vamos ter de pegar em projectos diferentes." As alterações também se notarão na iniciativa das pessoas: "Vão criar alternativas, o seu próprio emprego e fazerem aquilo que sabem e gostammesmo ganhando menos e trabalhando mais." » - Palavras de Dalila Pinto Almeida, autora do livro Mudar de Vida.

- «Outro aspecto que antevê é "o surgimento de uma economia informal: sobretudo os desempregados aproveitarão as habilidades para, por exemplo, fazer carteiras em tecido para vender através do Facebook, na sua casa ou na de amigos". Aparecerão "negócios pequenos, de nicho": "Vai fomentar-se a criatividade", defende» - A mesma autora.

- «O humorista Nilton prevê um bom ano para os seus espectáculos: "As pessoas vão querer rir-se mais. O humor é uma arma contra a crise"»

- «Mas há quem anteveja outras soluções como o voluntariado: "Podemos ver professores reformados a dispor do tempo para cuidar de crianças num bairro, porque os pais deixaram de ter dinheiro para o ATL", defende Maria Filomena Mendes. Também o sociólogo Elísio Estanque considera que o "humanismo e a solidariedade podem ser mais visíveis". »

- «(...) vamos chegar a um ponto de nos voltarmos para coisas que não estão à venda nos shoppings , como ver nascer o sol na Arrábida", brinca.» - Palavras ainda de Elísio Estanque.

- «Elísio Estanque acredita que as hortas vão regressar, mesmo nas cidades: "As pessoas com quintal, com pequenos talhões de terra, poderão usufruir dessa actividade não só para responder a necessidades materiais, mas também como forma lúdica de ocupação do tempo."»

Então, se for verdade que vamos ser mais humanos, afectuosos, criativos, altruistas,  ecológicos e ainda vamos manter o bom humor... somos ou não somos muito bons???

A crise económica é bem diferente da crise de valores e estes, ao que parece, vamos conseguindo mantê-los de pé!

Vera Martins

Referências:http://www.publico.pt/Sociedade/em-2012-vamos-conhecer-o-vizinho-cuidar-da-horta-e-integrar-uma-associacao-1530217?p=1

http://pensador.uol.com.br/significado_da_palavra_crise/

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Acha mesmo que a curiosidade matou o gato?

Quem já leu textos meus já vai sabendo que gosto de provérbios mas, como em tudo, abro uma excepção para alguns provérbios e este é um deles: “A curiosidade matou o gato” ou, na versão mais moderna, "Curiosidade mata". É que tenho logo vontade de responder: A curiosidade não mata ninguém!

Curiosa que sou (e, pasme-se, continuo viva!), fui à procura da origem deste ditado e descobri que na Europa, durante a Idade Média as pessoas acreditavam que os gatos pretos traziam má sorte e, por isso, montavam armadilhas. Os pobres gatos, andavam nas suas explorações e sucumbiam às armadilhas. Portanto, fica claro que os gatos eram mortos por armadilhas...

A curiosidade é das características mais extraordinárias que um ser humano de qualquer idade pode ter. E digo de qualquer idade porque, com frequência, a curiosidade é associada às crianças. E é verdade que as crianças são fantásticas por muitas coisas, sendo a curiosidade uma das suas características mais valiosas, um verdadeiro investimento para o futuro. Mas a curiosidade é importante em todas as idades.

Alimentar a nossa curiosidade constitui-se para nós como uma espécie de seguro de vida mas, muitas vezes, ainda não olhamos para a curiosidade com um olhar positivo. Tantas vezes criticamos e até proibimos a curiosidade, sobretudo nos mais novos. Talvez porque às vezes se confunde curiosidade com “fofoca” ou “cusquice”.

Mas há que distinguir o que é curiosidade das outras formas de questionamento ou intrusão da vida alheia. No entanto, também pode ser saudável e enriquecedor termos curiosidade sobre a vida alheia... não podemos generalizar e partir sempre do princípio que a curiosidade é prejudicial ou que tem consequências negativas.

Como podemos distinguir? Em geral a curiosidade não prejudica ninguém, não contém juízos de valor e gera conhecimento.

Encontrei um artigo de Bruce D. Perry, da revista Early Childhood Today, que apresenta um esquema resumido sobre a curiosidade. Traduzi o seu esquema para partilhar aqui por ter sentido que ilustra de forma simples como a curiosidade, além de conhecimento, pode gerar valor, crescimento, emoções positivas e fazer de nós pessoas melhores. Lembra-se da ideia do seguro de vida? Veja lá se a curiosidade não é uma espécie de seguro de vida emocional...

O médico Bruce D. Perry diz-nos que a curiosidade é o “combustível para o desenvolvimento” e explica porquê:

Curiosidade resulta em Exploração
Exploração resulta em Descoberta
Descoberta resulta em Prazer
Prazer resulta em Repetição
Repetição resulta em Mestria
Mestria resulta em Novas Competências
Novas Competências resultam em Confiança
Confiança resulta em Auto-Estima
Auto-Estima resulta em Sentimento de Segurança
Sentimento de Segurança resulta em Mais Exploração

Sendo assim, para promover o desenvolvimento emocional e cognitivo e para bem de todos é mesmo importante sermos curiosos!

Gostava de dizer:

A quem não é curioso, que ainda está a tempo de ser.

A quem já é curioso, que pode ser ainda mais curioso.

A todos nós, que educamos crianças, que...
… se alguma coisa matou o gato, não foi a curiosidade!


Vera Martins
www.veramartins-psicologia.com

Referências:
http://www.scholastic.com/teachers/article/emotional-development-curiosity-fuel-development

http://pt.wikipedia.org/wiki/A_curiosidade_matou_o_gato

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

É errado estar errado?


O medo de errar é um medo muito comum. Muitas pessoas têm esta preocupação com a possibilidade de errar, que pode ser sentida com maior ou menor intensidade, mas o que é facto é que, em geral, o medo de errar vai estando presente ao longo da nossa vida.


Em psicoterapia é um dos medos que os pacientes de várias idades mais expressam: medo de fazer algo de errado, medo de dizer algo de errado, medo de fazer a escolha errada. medo de cometer erros nas relações, no trabalho, na educação dos filhos, etc.

Quanto mais me cruzo com este medo tão frequente, na prática clínica mas também nos variados contextos relacionais do dia-a-dia, mais sinto que é preciso desmistificar esta questão.

O que transforma esta questão num problema é o facto de alguém sofrer com isto, tanto mais que se trata de um sofrimento por antecipação. Com a agravante de que, quando o sofrimento é elevado, prejudica o raciocínio e a própria capacidade para agir e ficamos com um cenário complicado:

- Quanto maior o medo de errar, maior a probabilidade de vir a errar mesmo.

Se fosse possível colocar o medo de errar numa ilustração matemática teríamos:

Ansiedade antecipatória + dificuldade de raciocínio + dificuldade de desempenho = maior probabilidade de erro

E se o erro acontecer mesmo, só vamos confirmar que o nosso medo tinha razão de ser e aprendemos para o futuro que é normal ter medo de errar “porque eu já errei no passado e é provável que venha a errar no futuro”... a conhecida “bola de neve” ou, para os gostos mais culinários, a “pescadinha de rabo na boca”:

Mais erro - mais medo
Mais medo - mais erro
Mais erro - ….

Mas então como derreter a bola de neve ou arrancar o rabo da boca (da pescadinha, pois claro) para interromper este ciclo?

1 º Por razões de ordem prática propunha separarmos o medo do “errar” em si -  Eles não têm que andar juntos. Nas primeiras vezes que fazemos alguma coisa não temos medo de a fazer. Antes da 1ª queda não tínhamos medo de andar. O medo é aprendido e é difícil lutar contra ele mas vamos fazer como nas receitas de bolos só que em vez de separar a clara da gema... “separe o medo da acção e reserve” (uma vez que não podemos anular o que sentimos, tentemos manter a ideia nítida de que são 2 coisas separadas e distintas).

2º As avaliações só se podem fazer no final de um processo - o medo resulta da avaliação da experiência anterior e não desta. Mas é fácil confundir a avaliação da anterior com a avaliação da experiência actual.
É bom lembrar que não podemos começar a casa pelo telhado. Portanto, não podemos avaliar a nossa acção antes de tentar.
Embora pensemos no telhado, deixamo-lo para o fim. Da mesma forma, devemos deixar as avaliações também para o fim e não nos criticarmos ainda antes de fazer algo. Não podemos saber por antecipação que vamos errar...

3º “Quem nunca errou, nunca fez nada” - Os ditados populares, além da sabedoria que encerram ainda têm o mérito de serem auto-explicativos!

4º A errar também se aprende - A Psicologia da Aprendizagem reconhece mesmo a chamada “aprendizagem por tentativa e erro” como um processo de aprendizagem válido e, em alguns contextos, é mesmo o mais adequado para agir e aprender. Eu atrevo-me a dizer que no contexto de vida “normal” é mesmo o que melhor nos serve na maioria das circunstâncias, uma vez que  não dominamos totalmente a vida e todas as suas variáveis...

5º Por fim, só é possível errar depois de tentar, fazer, dizer, escolher, etc - Se tentámos, fizemos, dissemos, escolhemos e ainda não acertámos... na maioria dos casos, isso apenas quer dizer que precisamos de tentar, fazer, dizer, escolher outra vez!

E afinal pergunto: Mas então é errado estar errado?

Vera Martins
www.veramartins-psicologia.com

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Dois problemas de Estatística e 10 lições para a vida

Há dias li uma referência à história do Matemático Georges Bernard Dantzig e senti que esta era a história perfeita para iniciar o ano. Resolvi por isso trazê-la comigo para partilhar um exemplo real daquilo que podemos alcançar quando não há nada a limitar a nossa criatividade ou a estreitar os nossos horizontes.

Dantzig frequentava no início dos anos 40 um curso de Estatística em Berkeley e havia um professor que tinha o hábito de escrever no quadro, no início da aula, alguns exercícios para trabalho de casa para que os seus alunos copiassem e entregassem na aula seguinte.

Houve uma aula à qual Dantzig chegou atrasado e viu 2 problemas escritos no quadro.  Pensando que eram para trabalho de casa, copiou-os e resolveu-os. A única diferença foi ter considerado que eram um pouco mais difíceis do que os problemas habituais. Assim, demorou um pouco mais de tempo mas entregou-os resolvidos ao professor, pedindo desculpa pelo atraso na entrega.

Na verdade, aqueles dois problemas não eram para trabalho de casa como habitualmente, os problemas que Dantzig resolveu estavam no quadro naquela aula por serem famosos na história da Estatística, eram considerados problemas sem solução.

A solução de Dantzig para estes problemas veio a constituir a sua tese de Doutoramento em 1946, por sugestão do seu professor.

Fica claro neste exemplo da história da Matemática como podemos chegar muito longe quando não somos constrangidos por limitações e teorias de fracasso a priori.

É provável que se Dantzig soubesse que os problemas eram considerados irresolúveis, não tivesse tentado resolvê-los. Ou, mesmo que tentasse, poderia ter desistido mais facilmente perante as dificuldades.

Ao confiar que a solução existia, Dantzig alcançou-a. Mais do que isso, Dantzig criou a solução para os dois problemas!

Esta história pode ensinar-nos várias coisas. Aqui partilho as 10 lições que considero mais importantes (a estas poderá acrescentar as suas):

1 - Não devemos pensar à partida que um problema não tem solução;

2 - Mesmo quando nos dizem que algo não é possível, podemos e devemos tentar chegar onde nos propusemos;

3 - Confiar que a solução existe pode ser meio caminho andado para alcançá-la;

4 - No início de um problema conhecemos o problema mas não podemos estar certos de conhecer o seu fim;

5 - Só conheceremos todo o processo se percorrermos todas as suas fases: princípio, meio e fim;

6 - O facto de os outros não conseguirem resolver um problema não significa que nós não consigamos;

7 - É mesmo importante tentar, fazer, insistir e persistir;

8 - Mesmo que a solução seja alcançada “mais tarde” não perde o seu mérito por esse atraso;

9 - Não devemos desencorajar as pessoas que nos rodeiam (nem as pequenas nem as crescidas) dizendo-lhes que algo “não é possível” ou que “não tem solução”;

10 - É fundamental acreditar que somos capazes e que (quase) tudo é possível!

O meu desejo para o novo ano é que se lembre muitas vezes desta história e que não acredite  nas previsões de insucesso que possam surgir no seu caminho.

Haja o que houver, confie em si!

Vera Martins, Psicóloga Clínica
www.veramartins-psicologia.com

Referência: Biografia de George Bernard Dantzig (consultada em http://www.phpsimplex.com/en/Dantzig_biography.htm