sábado, 29 de outubro de 2011

Será que somos o que fazemos?

Ao longo de mais de dez anos de prática profissional  quer em contexto de formação ou selecção, quer em contexto clínico, tenho reparado numa coisa que, apesar de ser comum e “normal”, me tem deixado sempre intrigada. E mais intrigada fico porque os anos continuam a passar e ainda não encontrei uma explicação satisfatória, vou colocando apenas questões...

E mais curioso ainda... dou comigo a fazer o mesmo em vários contextos!

Passo a explicar: quando peço a alguém para se apresentar em contexto induvidual ou de grupo, invariavelmente as pessoas apresentam-se pelo que fazem e não pelo que são. E já experimentei mudar a forma do pedido. Mas seja este formulado em termos de “Pedia-lhe que se apresentasse.” ou “Pedia-lhe que me falasse um pouco de si.” ou qualquer outra versão, as respostas surgem sempre no formato mais funcional do que “faço”.

Assim, a este pedido surgem as tradicionais respostas: “Sou estudante, jogo futebol e toco numa banda”; ou “Sou engenheira, nos tempos livres leio e brinco com os meus filhos.”

Mas será que somos o que fazemos?

O que fazemos será mais importante do que o que somos?

Porque não poderemos dizer simplesmente o que somos? Assim, só, de forma directa e espontânea: “Sou simpática, refilona e honesta” ou “Sou perseverante, às vezes teimoso, mas sou gentil e carinhoso” ou mesmo “Sou bonita, bem-humorada apesar de ser mal-humorada quando acordo”...

Será que não podemos ser, sendo apenas sem ter que apresentar tarefas feitas?

Naturalmente que aquilo que fazemos (a nossa profissão, as nossas actividades) também é  um pouco daquilo que somos mas não me parece que se deva sobrepor às nossas características pessoais e particulares. E, decididamente, nós não somos a nossa profissão, somos muito mais do que isso!

No entanto, tenho colocado a hipótese de que esta moda decorra de uma lógica “darwiniana”, constituindo uma estratégia de sobrevivência: “Para sobreviver tenho que dizer o que o mundo quer ouvir. E o mundo quer ouvir o que eu faço e não quem eu sou”. Portanto, para nos adaptarmos fazemos aquilo que é esperado e valorizado... dizer o que fazemos!

Ora pensemos na nossa reacção se alguém se apresentasse de outra forma... como reagiríamos a um “Boa tarde, sou o António, sou simpático, comunicativo mas rabugento quando tenho fome”?

E enfim, se a lógica adaptativa funciona continuaremos a apresentar-nos através do que fazemos. No entanto, fico a pensar no risco que podemos correr de nos esquecermos de quem somos...

Para relembrarmos gostava de lançar um desafio: que cada um de nós tente falar de si, apresentando-se com ênfase naquilo que é e não naquilo que faz. Isso mesmo, as nossas características pessoais e específicas, aquelas que fazem de nós quem somos!

Eu começo: Sou uma pessoa curiosa, faladora, teimosita e refilona... era bom que fossem só virtudes :)

Quem se segue?

Vera Martins

veramartins.psicologia@gmail.com

domingo, 23 de outubro de 2011

O tempo, a sabedoria e a vida

Há dias li o prefácio de um livro no qual o autor explicava que, para fazer a pesquisa que esteve na base do seu livro, tinha pedido que lhe enviassem o nome de alguém mais velho que considerassem ser uma pessoa com sabedoria e que tivesse alguma lição importante a ensinar sobre a vida. O autor foi surpreendido com o nome de mil pessoas que foram consideradas por outras como pessoas que preenchiam os dois requisitos: serem mais velhos e possuírem sabedoria sobre a vida para poderem ensinar algo importante.

Ao ler isto fiquei a pensar nestes critérios de selecção e em como são radicalmente contrários aos critérios de selecção para um emprego... Pois, é que no mundo do trabalho os requisitos principais são: juventude e experiência naquele trabalho. Basta olharmos para a maioria dos anúncios de emprego para constatarmos rapidamente que a idade não é um posto e a experiência é exigida em moldes difíceis de satisfazer porque quanto mais jovens somos necessariamente menos experiência temos. Mas, mais inquietante ainda é a desvalorização que existe hoje em dia dos quilómetros já palmilhados na estrada da vida.

E tudo isto me faz pensar nos recursos necessários para viver e sobreviver em épocas de crise (como esta), nas quais os empregos escasseiam e todo o cenário parece trocar-nos as voltas à existência...

A quem recorremos em tempos de crise? De quem esperamos ouvir sábias palavras? A quem perguntamos como fizeram para superar fases como esta que atravessamos?

Nestas alturas somos confrontados com a necessidade de valorizar a experiência que não se valoriza no mercado de trabalho: a experiência de vida, os tais quilómetros andados a mais. Em momentos de aflição queremos ouvir “a voz da experiência”, na esperança de “beber” as suas histórias de vida, de poder seguir os seus exemplos e aprender com eles.

Não pretendo fazer a apologia dos mais velhos nem desvalorizar a competência dos mais novos, mas é importante chamar a atenção para o facto de que todos sem excepção temos (ou deveríamos ter) lugar numa sociedade que se quer desenvolvida. Todas as pessoas, de todas as idades, com experiências e contributos diferentes, têm um papel a desempenhar.

Em momento nenhum podemos dar-nos ao luxo de “deitar fora” as pessoas que partilham connosco a vida e que percorrem um caminho com um objectivo último comum a todos: ser feliz! E seria bom que pudéssemos percorrer esse caminho sem medo do calendário e da passagem dos anos.

Todos nós já fomos ou somos crianças, somos ou seremos adultos e todos caminhamos para a velhice ou estamos já a contemplá-la. A única coisa que nos distingue é o momento em que passamos por estas estapas e ainda bem que assim é. O tempo é um organizador das gerações e, consequentemente, é também um organizador da nossa vida afectiva e social.

Este desfasamento no tempo permite-nos desempenhar os nossos papéis de forma estruturada e coerente: não podemos ser crianças ao mesmo tempo que os nossos filhos nem podemos ser velhos ao mesmo tempo que os nossos avós! E tão bom que é ser neto e filho, e mãe e pai, e avó e avô... E que maravilha aprender e contar com todos!

Agradeço ao tempo, à sabedoria e à vida!

Vera Martins

Nota: O prefácio que refiro é do livro The five secrets you must discover before you die, John Izzo, Berrett-Koehler Publishers, Inc.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

O “Efeito Mozart” - como a música encanta o nosso cérebro

O “Efeito Mozart” é um termo abrangente que se refere ao poder que a música tem para melhorar a saúde, a educação e o bem-estar geral. A investigação com a música de Mozart teve início em França no final da década de 50, quando o Dr. Alfred Tomatis iniciou as suas experiências com estimulação auditiva para crianças com problemas de comunicação. Nos anos 90 já era possível encontrar centenas de centros em todo o mundo que usavam a música de Mozart para ajudar as crianças com dislexia, perturbações da fala e autismo.

Também nos anos 90, na Universidade da Califórnia começaram a ser realizados estudos com a música de Mozart para avaliar a inteligência espacial. Em 2001, em Inglaterra, outros estudos foram iniciados para avaliar os seus efeitos na Epilepsia.

Mas podemos então perguntar  “Porquê a música de Mozart?”

Têm sido apontadas características como a clareza, a forma, a excelência e a frequência para seleccionar as músicas. Com base no trabalho do Dr. Tomatis foi escolhida a música com frequências altas para estimular o cérebro. Por outro lado, se o objectivo for o relaxamento as composições são mais lentas e não incluem as frequências altas. Ou seja, as músicas são seleccionadas de acordo com várias características da música mas também pelo tipo de resposta fisiológica e psicológica que suscitam, tendo assim efeito sobre as respostas físicas e emocionais.

Em contexto clínico os estudos indicam que a música pode reduzir o stress causado pelo estado de doença, revitalizar, servir de inspiração aos doentes e reduzir a dor. Não se trata de uma cura para a doença, no entanto há já bastante investigação a comprovar a importância da estimulação auditiva na promoção da saúde.

O ouvido desempenha funções essenciais para o equilíbrio, a linguagem, a expressão e a orientação espacial. Há várias áreas do cérebro que são sensíveis à música e por isso faz sentido considerar que esta possa ser muito útil e eficaz em contexto terapêutico.

Sabe-se agora que estes resultados não são específicos das composições de Mozart e que há critérios de eficácia importantes que são encontrados também em outras composições. São necessários mais estudos para dar consistência a estes resultados mas é de notar alguns dados sobre o Efeito Mozart por exemplo na Epilepsia, nos quais se verificou que pacientes com epilepsia que ouviram uma determinada sonata de Mozart tiveram uma diminuição significativa na actividade epileptiforme, verificada por Electroencefalograma (EEG).  Também através de estudos de EEG, foi possível verificar que a mesma sonata de Mozart melhorava a sincronia cerebral e alterava as ondas cerebrais em determinadas áreas.

Com o tempo e os avanços na investigação têm sido identificadas explicações com base neurológica, psicológica e sensorial. No entanto, os resultados do Efeito Mozart são ainda controversos e é importante continuar a investigação nesta área. Mas este percurso tem permitido reforçar a ideia de que a música é de extrema importância para o nosso cérebro e tem efeitos importantes na regulação física e emocional.

É necessário ler os resultados dos estudos com a devida cautela e com bom senso, mas penso que é positivo manter a receptividade para o papel que a música pode ter na saúde e bem-estar em geral, assim como na aprendizagem e aquisição de competências cognitivas. A música é sem dúvida uma ferramenta valiosa e acessível a todos, que pode e deve estar presente  na nossa vida (em casa, na escola, no trabalho, no lazer, nos centros terapêuticos, etc.).

Vera Martins

Referências
The Mozart Effect, Journal of the Royal Society of Medicine, Vol. 94, April 2001, pp 170 - 172.
The Mozart Effect, Tapping the Power of Music to Heal the Body, Strengthen the Mind and Unlock the Creative Spirit. Citado em http://www.mozarteffect.com/


terça-feira, 11 de outubro de 2011

Criatividade - Agite antes de usar!


Não vale a pena esconder, a criatividade é um processo que me fascina! É para mim tema de grande interesse, quer na sua dimensão mais prática quer numa óptica mais teórica. E é disso que falarei neste texto, prometendo passar à prática sem massar demasiado os meus leitores com a teoria.

A criatividade é uma actividade fundamental do processamento de informação e a sua definição contém duas características importantes: a novidade e a utilidade. Assim, a criatividade é a capacidade de produzir trabalho que é ao mesmo tempo novo e adequado à função para o qual foi criado. A criatividade assenta em processos mentais comuns e, por isso, a cognição criativa tem sido alvo de estudo das ciências cognitivas e das neurociências.

O processo criativo é o paradigma da flexibilidade cognitiva. Com criatividade conseguimos quebrar os padrões mais convencionais de pensamento para adoptarmos novas regras e afastarmo-nos assim da solução mais óbvia e comum.

É ainda importante dizer que, apesar de ser um processo cognitivo, a emoção desempenha um papel muito importante no funcionamento do processo criativo. Não é por acaso que tudo tem solução quando estamos apaixonados!

Mas então como podemos “agitar” a criatividade?

Existem muitos exercícios para promover a criatividade. O próprio leitor poderá procurar na internet ou nas livrarias material sobre este tema. E há exercícios para serem usados em contextos muito diferentes como trabalho de equipa, arte, ciência, ensino, etc.

Escolhi trazer hoje um exemplo que me parece que poderá ser útil em vários contextos e acessível a todas as pessoas. Este exercício é conhecido por  “SCAMPER” e na verdade é o acrónimo criado por Bob Eberle para representar um conjunto de questões que ajudam a gerar ideias novas. Algumas destas questões já tinham sido introduzidas no processo criativo por Alex Osborne, o “pai” do Brainstorming.

SCAMPER é o acrónimo para as seguintes questões:
(O acrónimo resulta bem em Inglês mas nem tudo resulta tão bem em Português, esta tradução é uma adaptação minha e tentei manter as palavras o mais próximo possível do original.)

S - Substituir - O que posso dispensar, eliminar ou subtrair?
C - Combinar - Como posso combinar X com Y? O que aconteceria se eu combinasse esta ideia com outra ideia?
A - Adaptar - E se eu mudar isto para poder adaptar?
M - Modificar ou Maximizar - Como posso modificar isto?
P - Por a uso para outros fins - Além da função habitual como posso usar isto? (Ideia muito usada em arte e decoração!)
E - Eliminar ou minimizar - O que posso eliminar? O que acontece se eu reduzir isto?
R - Rearranjar - Reverter - E se eu inverter isto? Se vir isto ao contrário? Por exemplo, de trás para a frente, imagem em espelho, etc.

Dizia Joel Arthur Barker: “Visão sem acção é apenas um sonho. Acção sem visão é apenas um passatempo. Visão com acção pode mudar o mundo!”

Então vamos criar e mudar o mundo!

Vera Martins

Dedico este texto à minha querida amiga Teresa Chuva, que deu hoje à luz o seu principezinho porque não há processo criativo mais deslumbrante do que criar vida!

Referências:
Arne Dietrich (2004) The cognitive neuroscience of creativity, Psychonomic Bulletin & Review, 11 (6), 1011 - 1026.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Tarefas com T e como digeri-las


Há tarefas e Tarefas e a estas últimas não se aplica a expressão “tarefa fácil”. Às vezes, na nossa vida, temos em mãos tarefas de grande porte. Podem ser mais ou menos alargadas no tempo (com prazos mais ou menos realistas); podem ser mais ou menos fáceis de digerir e a sua realização pode trazer consigo mais ou menos prazer. Aquilo que têm habitualmente em comum é serem grandes, pesadas e, como tal, indigestas.

Podemos lembrar-nos de um trabalho de final de ano, “daquele” relatório terrível, do mega-projecto que temos em mãos, etc, os exemplos poderiam ser mesmo muitos.

Se olharmos de fora para a Tarefa, podemos pensar numa fórmula com 4 Ds. Assim, temos:

Duração + Densidade + Desprazer = Desafio.

(Embora possa haver outras fórmulas, por exemplo o Desprazer pode não existir, felizmente acontece!).

O que podemos então fazer com uma Tarefa destas?

A solução passa por transformar os Ds em ds, com o objectivo de diminuir a duração, a densidade e o desprazer, tornando assim o desafio também mais leve.

Em termos práticos é importante:

- Parar de adiar - mãos à obra! Quanto mais depressa começar, mais depressa acabará.

- Dividir - É fundamental dividir a Tarefa em pequenas tarefas ou sub-tarefas.

- Ordenar - Quando já está tudo dividido em pequenas tarefas, é importante ordená-las numa sequência por critérios de prioridade e de lógica interna da própria tarefa.

- Focar - Se já dividiu e ordenou as sub-tarefas, escolha a que vai executar e foque a sua atenção exclusivamente nessa tarefa. Esconda tudo o resto e trabalhe como se não houvesse nem antes nem depois! Quando tem uma tarefa em mãos, todas as outras não existem.  Evite  e controle todas as distracções: telefones, e-mails, interrupções, etc.

- Recompensar-se - Quando termina uma tarefa, merece um miminho!  Mas sem batota, é só mesmo quando terminar. Seja um café, ouvir uma música e dançar ou cantar um bocadinho, um passeio na rua, uma fatia de bolo, etc. Até pode escolher previamente qual vai ser o mimo que dará a si próprio quando concluir o que vai iniciar.

Há várias técnicas que podem ajudar nestes passos como por exemplo fazer listas, esquemas, quadros, mapas, calendários. Confesso que adoro chegar ao fim da tarefa e poder riscar uma linha da lista de tarefas!

Se é do estilo mais tecnológico, encontra na internet várias ferramentas de gestão (ou digestão) de tarefas gratuitas. Por exemplo, www.rememberthemilk.com existe em versão Portuguesa.

Para terminar mas não menos importante: respirar e sorrir!

Boas tarefas!

Vera Martins