sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Cérebro e Depressão


Já lá vai o tempo em que se pensava que estar ou não deprimido era uma questão de “força de vontade”. Com o avanço da tecnologia é hoje possível perceber melhor o que se passa no nosso cérebro e qual a forma mais adequada de tratar dificuldades emocionais e comportamentais. E, na maioria dos casos, estamos a falar de psicoterapia e não de terapêutica medicamentosa, embora em alguns casos esta seja necessária e ainda bem que existe. Por exemplo, sabe-se hoje que o sistema límbico é uma estrutura cerebral (localizada mais ou menos no centro do cérebro) que tem um papel de grande relevância na regulação emocional.


O Dr. Daniel G. Amen é um médico Americano que tem estudado a relação entre o funcionamento do cérebro e os comportamentos, emoções e patologias que os seus pacientes manifestam. Para isso, na sua prática clínica tem recorrido ao SPECT (Single Photon Emission Computed Tomography) para ver, no verdadeiro sentido da palavra, o modo como o cérebro dos seus pacientes funciona de forma a refinar o diagnóstico e escolher o tratamento mais adequado.


E falando em depressão é importante falar um pouco mais sobre o sistema límbico. O Dr. Amen refere como funções desta estrutura cerebral:


- estabelecer o tom emocional da mente;
- filtrar eventos externos através dos estados internos(criando o colorido emocional);
- marcar os eventos como importantes internamente;
- armazenar as memórias com forte carga emocional;
- modular a motivação;
- controlar o apetite e os ciclos do sono;
- promover os laços afectivos;
- processar directamente o sentido do olfacto;
- modular a líbido;


Ora, se o sistema límbico tem a seu cargo estas funções, alguma dificuldade ou desregulação destas poderá dar origem a problemas mais ou menos específicos. Digo “poderá” porque nada no ser humano é linear.


Assim, o Dr. Amen refere como manifestações possíveis de problemas no sistema límbico:


- perturbações do humor, irritabilidade e depressão;
- aumento de pensamentos negativos, pessimismo;
- percepção negativa dos acontecimentos;
- diminuição da motivação, menor interesse por actividades que eram consideradas interessantes;;
- imersão em emoções negativas, choro frequente, ideação suicida, baixa auto-estima;
- problemas de apetite e de sono (a mais ou a menos);
- resposta sexual diminuida ou aumentada;
- isolamento social, falta de interesse pelos outros;


Está a reconhecer estes sintomas? Todos eles podem estar presentes na Depressão com maior ou menor intensidade.


É importante salientar que o facto de o problema estar associado a uma possível desregulação biológica (cerebral), não significa que é irreversível e que não há nada a fazer. Este tipo de alteração pode ser revertido para alcançar novamente um estado de “regulação” através de mudanças nos nossos pensamentos e comportamentos. Isto requer alterações nos nossos padrões relacionais, no estilo de vida e outros factores, mas é possível conquistar o equilíbrio desejado.


A psicoterapia tem um papel fundamental nesta regulação biológica que tem reflexos no nosso bem-estar emocional. E tendo estes conhecimentos ficamos com ferramentas para lidar de outra forma com os problemas que nos preocupam e que podem tornar os nossos dias mais cinzentos.


O mais importante é nunca desistirmos do nosso bem-estar!


Vera Martins


Referência: Change your Brain Change your Life, Daniel G. Amen, 2010, London: Piatkus.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Ser e estar não são duas faces da mesma moeda


A linguagem que utilizamos é muito importante e mais poderosa do que pensamos. O significado que atribuímos às nossas emoções e pensamentos condiciona em grande medida as nossas relações com os outros e a forma como olhamos para nós e para o futuro.

É tão comum dizermos: “Sou um desastre”; “Sou mesmo azarado”; “Sou tão burra”, etc... sabemos bem as coisas que dizemos de nós próprios...

E fazemos isso também com os outros: “O meu filho é tão distraído”; “Aquele funcionário é tão incompetente”; “És mesmo parvo” e outros tantos exemplos sem fim.

Porque havemos de impor a nós e aos outros sentenças tão duras e peremptórias, como se algo na vida fosse tão permanente e imutável?

Se experimentarmos fazer uma coisa tão simples como substituir o verbo “ser” pelo verbo “estar” vamos perceber que estar desastrado um dia não faz de ninguém um desastre para sempre. O estar infeliz não tem que condicionar a personalidade de alguém toda a vida. O facto de uma pessoa estar mais distraída num momento não faz dessa pessoa um habitante eterno de outro planeta.... e afinal de contas, todos temos direito a estar (e não usei ser!) extra-terrestre por um dia.

Já reparou então no poder do verbo “ser”? E como a existência fica mais fácil e mais flexível com o verbo “estar”? E já agora, fica também mais realista, porque tudo muda!

E, se pensarmos bem, para os adjectivos positivos já não fazemos bem a mesma coisa... o mais comum é dizermos “”Estás muito bonita” e não “És muito bonita” ou “Estás muito feliz” e não “És muito feliz”.

A verdade é que esta distinção não se verifica em todas as línguas, por exemplo em Inglês e em Francês o verbo é o mesmo para expressar “ser” e “estar” (Em Inglês o verbo “to be”, em Francês o verbo “Être”).

Fico a pensar onde teremos aprendido que “somos” quando o atributo é negativo e  (só) “estamos” quando o atributo é positivo...

Diz o ditado que “o que é bom acaba depressa” e eu gostaria de lembrar do outro ditado que também diz “Não há mal que sempre dure...” (...”nem bem que nunca se acabe” - mas esta parte agora não dá muito jeito! Apaguem isto só por um bocadinho, ok?).

Sendo assim, a minha proposta é fazermos todos uma grande desarrumação na Língua Portuguesa e invertermos isto tudo para sermos todos mais felizes e não estarmos zangados com a vida!


Vera Martins

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Dança para a Doença de Parkinson

Há dias ouvi um teleseminário sobre um tema tão interessante que não resisti a partilhá-lo. Pode ser que alguém em Portugal possa agarrar esta ideia...

O teleseminário era organizado pelo NICABM (The National Institute for the Clinical Application of Behavioral Medicine) e era sobre um projecto que realiza aulas de dança para pessoas com Doença de Parkinson um pouco por vários locais dos Estados Unidos.

Tudo começou em 2001, quando o Mark Morris Dance Group e o Brooklin Parkinson Group decidiram oferecer aulas gratuitas a pessoas com a Doença de Parkinson. Depois disso, o projecto tem crescido em número de professores, de adeptos e em extensão geográfica.

Os mentores do projecto explicam que “para dançar, os dançarinos usam informação do ambiente e estratégias mentais para guiar, controlar e aprender movimentos. Para as pessoas com Doença de Parkinson, o uso desta informação e destas estratégias ajuda a regenerar a capacidade de se mexerem, promovendo a sensação de controlo sobre a actividade física que é perdida na Doença de Parkinson. Os dançarinos que ensinam têm como objectivo a estética e não as limitações de movimentos.”  (Tradução minha).

As aulas têm a duração de 1 hora e 30 minutos, a frequência é semanal e são realizadas num estúdio com chão de madeira, barras de balé nas paredes, espelhos do chão ao tecto numa das paredes e um piano.

O importante nestas aulas é partilhar o prazer da dança e passar momentos agradáveis, promovendo os laços sociais, a actividade artística e o bem estar. Receita importante para que os alunos possam sentir-se mais confiantes e expressivos. “Tentamos levar as pessoas para longe das limitações físicas e guiá-las em direcção às possibilidades físicas.” (Tradução minha).

Gostei particularmente do testemunho que li de uma das participantes destas aulas: “Quando estou na aula de dança eu não tenho a Doença de Parkinson.” (Tradução minha).

Que possamos ficar inspirados por projectos assim!

Vera Martins


Podem consultar o website do projecto Dança para a Doença de Parkinson em:

Referências:
- Therapeutic Perspectives - Documento consultado no site do projecto “Dance for Parkinson’s”;
- Transcript of a Speech by David Leventhal for the Parkinsons Disease Foundation’s Annual Gala, Bal du Printemps in New York City in 2009 - consultado no mesmo website.
- Westheimer, Olies (2007) Why Dance for Parkinson’s Disease, Topics in Geriatric Rehabilitation, pp 1-13 - Consultado no mesmo website.

domingo, 18 de setembro de 2011

Alguns tópicos sobre a "mudança"

A mudança psicológica e/ou comportamental é um conceito abrangente e que desperta grande interesse na generalidade das pessoas. É muito frequente as pessoas perguntarem: “É possível mudar?”; “Como se muda?”


Neste pequeno artigo, que não pretende ser exaustivo, faço algumas notas sobre o processo de mudança, assim em jeito de “aperitivo” para um assunto que daria “pano para mangas”.


“Vivendo e aprendendo” - A plasticidade humana


A Psicologia e as Neurociências têm mostrado que o ser humano é dotado de plasticidade, ou seja, o ser humano é “plástico”. Isto significa que tem a capacidade de mudar E, ao contrário do que se pensava, os estudos mais recentes provaram que esta plasticidade se mantém ao longo da vida e não diminui com a idade.


“Em terra do bom viver, faz como vires fazer” - Flexibilidade e adaptação


O ser humano tem uma capacidade espantosa para se adaptar aos contextos em que se encontra graças à sua flexibilidade. A adaptação implica um maior ou menor grau de mudança dependendo do contexto em que se dá e da pessoa que está a fazer o esforço (também maior ou menor) de adaptação. Isto tem reflexos nas relações com os outros, na integração cultural, na adaptação ao clima, etc.


“Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades” - Mudança e desenvolvimento


Ao longo do nosso desenvolvimento, à medida que a vida avança, os objectivos que cada pessoa traça para si própria, as motivações, os sonhos, as necessidades, vão mudando também. Aos 30 anos não desejamos as mesmas coisas que desejávamos aos 15 anos. Até o nosso grau de exigência muda, aumenta para umas coisas, diminui para outras.


Mahoney num livro sobre processos de mudança fala em “processos dinâmicos de desenvolvimento que proporcionam o ‘equilíbrio em movimento de uma vida em progresso” (Pág.32).


Ou seja, o percurso humano é dinâmico e diversificado, o que nos conduz ao próximo tópico.


“Cada cabeça sua sentença” - As diferenças individuais


Embora sejam apontados processos gerais de mudança psicológica, as particularidades de cada pessoa, as experiências únicas de cada um e todo um conjunto de especificidades, irão necessariamente ditar necessidades e processos de mudança diferentes que resultam de percursos de desenvolvimento também  singulares e muito diversificados.


É importante referir que o desejo de mudança pode verificar-se a nível profissional, escolar, de hábitos, de relações, etc ou pode ser um desejo mais geral e abstracto, numa linha mais existencial, mais relacionado com a própria identidade e personalidade.


Quando uma pessoa escolhe a psicoterapia para facilitar o seu processo de mudança, seja qual for o objectivo, todas as suas particularidades, motivações, experiências pessoais e relacionais devem ser respeitadas e tidas em conta.


Mas, a verdade “verdadeira” e cientificamente comprovada é que mudar é possível. Se deseja mudar aspectos da sua vida é só por mãos à obra. Quer decida recorrer à ajuda de um profissional, de amigos, familiares ou livros de auto-ajuda, o mais importante é ouvir o desejo de mudança que pode andar aí a sussurrar (ou já a gritar!) dentro de si.


Atreva-se!



Vera Martins


Referência: Michael J. Mahoney - Processos Humanos de Mudança. As bases científicas da Psicoterapia. Porto Alegre, ArtMed, 1998. (Tradução Fábio Appolinário).