Nesta altura em que o Natal se aproxima a passos largos muito se fala em dar: “Não sei o que vou dar aos meus pais”; “Não vale a pena dar prendas inúteis”; “Gosto muito de dar.”, etc.
E porque este ano a época é especialmente complicada em termos financeiros também ouvimos dizer “Este ano não posso dar prendas a ninguém”.
Fico a pensar nas nossas imensas questões sobre este acto de dar e as inúmeras dúvidas e considerações sobre as dádivas em si. Sabemos bem que as dádivas são extremamente relativas. E são relativas na importância que lhes atribui quem as recebe e quem as oferece. São relativas na necessidade, no preço, no tamanho e na sua (i)materialidade.
É que as dádivas podem não ser materiais e não significa por isso que sejam menos importantes ou menos satisfatórias para quem as recebe.
A música é um excelente exemplo de dádiva imaterial. Podemos por exemplo lembrar-nos dos filmes muito românticos em que um homem apaixonado presenteia a sua amada com uma serenata! Seja tocada e cantada por si próprio ou por outros, uma serenata é um exemplo de dádiva imaterial. E temos também o exemplo tão Português e tão falado ultimamente do Fado como Património Imaterial da Humanidade que afinal de contas é a nossa dádiva à humanidade!
E para além da música, existem mais dádivas imateriais. Daquelas que levamos dentro de nós e que, sem lhes tocar, ficamos tocados por elas, às vezes, uma vida inteira. Como por exemplo um poema belo e cheio de significado que é recitado por alguém ou mesmo um história que contamos a uma criança na hora de dormir para a confortar e ajudar a ter sonhos cor-de-rosa.
E há ainda outras dádivas imateriais. Há uns anos aprendi com uma colega uma dinâmica de grupo que foi baptizada como “Dádivas mentais”. Esta dinâmica consiste precisamente em trocar este tipo de dádivas. As regras são simples: Só valem dádivas mentais e todos os membros do grupo devem dar e receber.
Não imaginam o poder que as dádivas mentais podem ter. O tal poder de tocar alguém e marcar momentos profundos de encontro genuíno. É importante que as pessoas se conheçam minimamente para poderem sentir o que o outro precisa. E assim, nesta troca de dádivas mentais é possível dar ‘coragem’ a alguém que enfrente um desafio, é possível receber de outro a ‘força’ que necessita para terminar uma tarefa, também é possível dar ‘clareza’ para ver melhor uma determinada situação ou mesmo ‘lucidez’ para tomar uma decisão difícil.
Na verdade, as dádivas mentais permitem uma partilha de experiências e emoções que é extremamente enriquecedora para quem recebe mas também para quem dá. Quando uso esta dinâmica de grupo, as pessoas acabam por sentir que ao dar estão simultaneamente a receber. E todo o grupo sente que não só dá e recebe mas sobretudo que, ao escolher de forma personalizada e explicar as dádivas que o outro precisa, há um efeito de multiplicação do seu sentido e do seu potencial efeito.
Através deste exemplo podemos sentir a importância e o poder das relações com os outros. A partilha de emoções, a capacidade de dar e receber, a troca de experiências, o sentimento de pertença e de ser compreendido são pilares essenciais para o nosso bem-estar e a nossa saúde mental.
E não será esta a verdadeira essência de uma dádiva? Partilhar, trocar, multiplicar, emocionar, compreender e ser compreendido...
Os presentes materiais têm concerteza o seu papel e importância na nossa vida, mas também é bom lembrar que há outros presentes que, na sua imaterialidade, tornam também a vida mais colorida e doce.
E que o Natal pode também ser abrilhantado e aquecido com presentes que não precisamos de desembrulhar e que não podemos ver ou tocar mas que nos tocam com toda a sua força, emoção e intensidade.
Vera Martins
www.veramartins-psicologia.com
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